A TI-PT e a Direção-Geral do Património Cultural preparam uma parceria inovadora para acompanhar um conjunto de obras de requalificação do Mosteiro de Alcobaça.
Famoso por acolher os túmulos de D. Pedro e Inês de Castro, o Mosteiro de Alcobaça – monumento nacional desde 1910 e integrado na lista de Património Mundial da UNESCOdesde 1983 – tem uma importância internacional por razões que vão muito para além da história de amor imortalizada por Camões nos “Lusíadas”. Pioneiro do gótico português, o Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, cuja fundação remonta ao séc. XII, foi um dos primeiros (e o mais importante) mosteiro da Ordem de Cister em Portugal e é um dos mais bem preservados monumentos cistercienses do mundo.
Não admira por isso que tenha sido em Alcobaça que se realizou na semana passada o III Encontro Internacional de Abadias Cistercienses, que congregou académicos, conservadores e diretores de monumentos da Ordem de Cister de toda a Europa, para discutir questões ligadas à preservação e gestão destes monumentos. A poderosa Ordem de Cister, fundada em França nos finais do séc. XI, foi um importante centro de produção e difusão de cultura e conhecimento por toda a Europa. Nove séculos antes da fundação da União Europeia, era pelos conventos e mosteiros desta ordem religiosa que circulavam os alicerces do que hoje reconhecemos como a cultura comum do nosso continente.
Preservação e dinamização do Mosteiro de Alcobaça
A preservação e dinamização do Mosteiro de Alcobaça – cada vez mais procurado por visitantes portugueses e estrangeiros – é por isso um desafio que a Direção-Geral do Património Cultural, responsável pelo monumento, assume não só perante os portugueses mas perante a Humanidade. O encontro serviu por isso para apresentar o plano diretor que estabelece os objetivos de gestão do Mosteiro e antecipar duas das obras que avançarão já no próximo ano: a conservação das fachadas do monumento e, mais importante, uma reorganização total dos circuitos de visita ao Mosteiro, que incluirão uma nova portaria e bilheteira, novos espaços de visita e uma nova loja.
O objetivo das intervenções é dar melhor contexto aos visitantes sobre este património de importância mundial, incentivar a fruição de todo o monumento – e não apenas da igreja, que é hoje o espaço mais visitado –, bem como um maior controlo de entradas, crucial gerir a procura de visitantes (individuais ou de grupos) e garantir rigor na venda de ingressos indispensáveis para a conservação do Mosteiro.
A monitorização cívica
A TI-PT vai ter um papel nestas intervenções. Ao abrigo de um protocolo celebrado com a Direção-Geral do Património Cultural em 2016, vamos acompanhar a par e passo o desenrolar dos trabalhos, através de um Pacto de Integridade que deverá ser celebrado em breve entre as duas entidades. O pacto é uma ferramenta de monitorização cívica desenvolvida pela Transparency International e que pretende assegurar a lisura e integridade de processos de contratação pública através de um contacto permanente e uma partilha de informação com a sociedade civil, que se encarrega de avaliar todo o processo, desde as fases de preparação da obra até à conclusão dos trabalhos.
A monitorização cívica, a par e passo, permitirá identificar potenciais abusos ou mau gasto de dinheiros públicos, evitando prejuízos para o Estado ou fenómenos de favorecimento ou falta de rigor. Mas, mais do que isso, é uma forma de trazer os cidadãos para o centro dos processos de investimento público, garantindo que os recursos de todos são usados da melhor forma para defesa dos interesses de todos.
Este trabalho será feito no âmbito de um projeto europeu, financiado pela Comissão Europeia, que pretende testar estes mecanismos de monitorização cívica em 11 países europeus, através do acompanhamento de 17 processos de contratação pública envolvendo o recurso a fundos comunitários – como é o caso das obras em Alcobaça, que serão co-financiadas pela União Europeia.
Numa altura em que o reiterado mau uso de fundos europeus tem colocado em causa a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas – em Bruxelas e nos Estados-membros – trazer os cidadãos para o centro dos processos de decisão é a melhor forma de garantir a limpidez dos procedimentos, o rigor dos projetos e a defesa do interesse público. Para isso, a TI-PT terá um grupo de peritos em várias áreas – contratação e contabilidade públicas, arquitetura e projetos e História da Arte – a acompanhar cada passo das obras que se avizinham em Alcobaça. Todo o trabalho da TI-PT é financiado pela Comissão Europeia, para garantir a completa independência das nossas avaliações, que não serão financiadas pelo Estado português responsável pelas obras.
Como é evidente, não vamos substituir-nos às autoridades competentes para aprovar e auditar investimentos públicos – como o Tribunal de Contas, a Inspeção-Geral de Finanças ou a própria auditoria interna da Direção-Geral do Património Cultural. Seremos um par de olhos adicional, preocupado com mais do que as formalidades administrativas. Olharemos para a necessidade, utilidade e limpidez de todo o processo e, sobretudo, faremos a ponte com a comunidade local e a sociedade civil, para que os cidadãos saibam a cada momento o que está a ser feito, como e porquê.
Essa transparência, tão necessária nas obras públicas, é ainda mais importante quando se trata de monumentos nacionais que são património de toda a Humanidade, como Alcobaça. Numa altura em que cada vez mais o Estado chama o investimento privado a participar na preservação e requalificação de monumentos – como fez através da rede de Pousadas de Portugal e, mais recentemente, com programas como o Revive ou da concessão parcial de monumentos como o próprio Mosteiro de Alcobaça a uso turístico – é fundamental que todos façamos a nossa parte na preservação da nossa memória histórica e monumental: Estado, privados e cidadãos. Todas as energias contam nesta tarefa e cabe-nos a todos garantir que cada contributo é dado com transparência e em defesa do interesse público. É isso que faremos com este trabalho de monitorização cívica.
Tal como os monges cistercienses contribuíram, desde a época medieval, para estabelecer a cultura e os valores europeus, cabe-nos a todos reafirmar uma nova geração de valores para a Europa. Valores de integridade, de participação cívica e de abertura. A parceria que nos preparamos para iniciar em Alcobaça com a Direção-Geral do Património Cultural é um sinal de liderança e inovação da Administração Pública portuguesa (com o pioneirismo da DGPC) e um convite para que todos os cidadãos se envolvam no controlo dos gastos públicos e na defesa dos bens públicos. Para a TI-PT, é um enorme prazer estarmos a iniciar este caminho.
Vemos-nos em Alcobaça!
João Paulo Batalha
Presidente da Transparência e Integridade